O não direito à opinião
Uma das frases que mais tenho ouvido nos últimos tempos e em jeito de gozo é a "e foi para isto que se fez o 25 de abril!". No início ainda ria, cheguei a adopta-la nas minhas parvoíces mas ultimamente a utilização dada à forma tomatuda de uns quantos deixa-me de estômago virado.
Eu ainda não estava cá no 25 de abril mas sou filha de sindicalistas por isso as histórias são mais que muitas.Também fui aluna de sindicalistas e saber que uma professora minha, na altura grávida, se escondeu durante 6h para não levar uma tareia por ser mulher, casada e andar na universidade, deixa-me revoltada por alguma meia dúzia de badamecos associarem o marco da liberdade nacional à liberdade de dizerem toda a merda que lhes apetece.
As redes sociais são campos de batalha como nem as duas Grandes Guerra viram. Se alguém não concorda com o comentário do outro, sente-se automaticamente no direito de dizer algo como um "cala-te oh animal! tu não percebes nada disto!" Pergunto-me se esta gente fala assim no seu dia-a-dia. Certamente não o farão, ou estavam sujeitos a que o animal lhe desse uma valente murraça nas trombas.
Lá porque eu tenho uma opinião e essa é diferente da tua, isso não a torna inválida nem a ti errado. Torna-nos aquilo que graças a Deus podemos ser: pessoas livres. Hoje tudo e todos estão sujeitos à crítica e ao debate de cesta na cabeça e mão à cintura, principalmente se forem personalidades públicas: seja o peito ossudo da Carolina Patrocínio, a partilha pública do cancro da Sofia Ribeiro, os filhos do casal Borges-Beauté ou a mochila de refugiada da Joana Vasconcelos. Para muita gente que se dedica diariamente ao escárnio e maldizer de fazer inveja a Gil Vicente, todas estas personalidades têm a obrigação de ler as barbaridades que eles se sentem não só no direito mas na obrigação de dizer. Porque a Patrocínio "é uma anoréctica nojenta", a Ribeiro "uma attention seeker que devia ter vergonha por quem tem cancro a sério", o casal não passa de "dois paneleiros" e a Vasconselos "era matá-la!". As pessoas que dizem estas coisas dão-me uma tremenda vergonha de pertencer a espécie Humana e deixa-me a certeza de que até os bichos são de melhor convivência.
Pessoal, aprendam isto: foi para estas coisas que o 25 de abril foi feito:
-Para uma mulher poder sem magra e outra ser gorda sem que para isso tenham que ser subjugadas a qualquer crítica ou julgamento:
-Para uma criança ter o direito a ter pais, mães ou ambos. Porque até as plantas gostam de amor e carinho;
-Para podermos dizer que o Sócrates foi um crápula e que o Marcelo é um castiço;
-Para eu dizer que me quero casar com um vestidão branco e formar uma família;
-Para eu dizer que não sirvo para ser mãe de ninguém e o casamento não está nas minhas perspectivas;
-Para eu poder dizer que sei que vou ter dificuldades em manter uma gravidez e não ser por isso menos mulher;
-Para eu poder parir a minha própria equipa de futebol e ninguém tem nada a ver com isso. Se os posso sustentar, manter bem e felizes e não depender de ninguém;
-Para eu dizer que a carreira para mim é tudo;
-Para ser uma mãe "dona de casa"
-Para estar coberta de tatuagens;
-Para ter a pele com que nasci;
-Para namorar um preto sendo eu branca;
-Para um branco me namorar sendo preta;
-Para ter um blogue onde escrevo o que quero sem que para isso acabe presa, a levar uma tareia de morte e com os meus filhos e família ameaçados com o argumento "ou paras com esta merda ou eles são todos mortos!"
O 25 de abril nasceu do cansaço, da insatisfação, do grito do Ipiranga e do murro da mesa. Respeitem isto.
Sara