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Experimentalista

Um guia, uma ideia, uma sugestão, ou apenas um sítio onde vir dar um passeio

Experimentalista

Um guia, uma ideia, uma sugestão, ou apenas um sítio onde vir dar um passeio

Qua | 11.05.16

O não direito à opinião

Sarah

Uma das frases que mais tenho ouvido nos últimos tempos e em jeito de gozo é a "e foi para isto que se fez o 25 de abril!". No início ainda ria, cheguei a adopta-la nas minhas parvoíces mas ultimamente a utilização dada à forma tomatuda de uns quantos deixa-me de estômago virado. 

Eu ainda não estava cá no 25 de abril mas sou filha de sindicalistas por isso as histórias são mais que muitas.Também fui aluna de sindicalistas e saber que uma professora minha, na altura grávida, se escondeu durante 6h para não levar uma tareia por ser mulher, casada e andar na universidade, deixa-me revoltada por alguma meia dúzia de badamecos associarem o marco da liberdade nacional à liberdade de dizerem toda a merda que lhes apetece.

As redes sociais são campos de batalha como nem as duas Grandes Guerra viram. Se alguém não concorda com o comentário do outro, sente-se automaticamente no direito de dizer algo como um "cala-te oh animal! tu não percebes nada disto!" Pergunto-me se esta gente fala assim no seu dia-a-dia. Certamente não o farão, ou estavam sujeitos a que o animal lhe desse uma valente murraça nas trombas. 

Lá porque eu tenho uma opinião e essa é diferente da tua, isso não a torna inválida nem a ti errado. Torna-nos aquilo que graças a Deus podemos ser: pessoas livres. Hoje tudo e todos estão sujeitos à crítica e ao debate de cesta na cabeça e mão à cintura, principalmente se forem personalidades públicas: seja o peito ossudo da Carolina Patrocínio, a partilha pública do cancro da Sofia Ribeiro, os filhos do casal Borges-Beauté ou a mochila de refugiada da Joana Vasconcelos. Para muita gente que se dedica diariamente ao escárnio e maldizer de fazer inveja a Gil Vicente, todas estas personalidades têm a obrigação de ler as barbaridades que eles se sentem não só no direito mas na obrigação de dizer. Porque a Patrocínio "é uma anoréctica nojenta", a Ribeiro "uma attention seeker que devia ter vergonha por quem tem cancro a sério", o casal não passa de "dois paneleiros" e a Vasconselos "era matá-la!". As pessoas que dizem estas coisas dão-me uma tremenda vergonha de pertencer a espécie Humana e deixa-me a certeza de que até os bichos são de melhor convivência.

Pessoal, aprendam isto: foi para estas coisas que o 25 de abril foi feito:

 

-Para uma mulher poder sem magra e outra ser gorda sem que para isso tenham que ser subjugadas a qualquer crítica ou julgamento:

-Para uma criança ter o direito a ter pais, mães ou ambos. Porque até as plantas gostam de amor e carinho;

-Para podermos dizer que o Sócrates foi um crápula e que o Marcelo é um castiço;

-Para eu dizer que me quero casar com um vestidão branco e formar uma família;

-Para eu dizer que não sirvo para ser mãe de ninguém e o casamento não está nas minhas perspectivas;

-Para eu poder dizer que sei que vou ter dificuldades em manter uma gravidez e não ser por isso menos mulher;

-Para eu poder parir a minha própria equipa de futebol e ninguém tem nada a ver com isso. Se os posso sustentar, manter bem e felizes e não depender de ninguém;

-Para eu dizer que a carreira para mim é tudo;

-Para ser uma mãe "dona de casa"

-Para estar coberta de tatuagens;

-Para ter a pele com que nasci;

-Para namorar um preto sendo eu branca;

-Para um branco me namorar sendo preta;

-Para ter um blogue onde escrevo o que quero sem que para isso acabe presa, a levar uma tareia de morte e com os meus filhos e família ameaçados com o argumento "ou paras com esta merda ou eles são todos mortos!"

 

O 25 de abril nasceu do cansaço, da insatisfação, do grito do Ipiranga e do murro da mesa. Respeitem isto.

 

Sara

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