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Experimentalista

Um guia, uma ideia, uma sugestão, ou apenas um sítio onde vir dar um passeio

Experimentalista

Um guia, uma ideia, uma sugestão, ou apenas um sítio onde vir dar um passeio

Seg | 03.06.19

Era uma vez em Harlem

Sarah

Fomos a Nova Iorque em Fevereiro.

Era um sonho nosso, de miúdos, de ver a cidade que nunca dorme acima das nossas cabeças e abaixo dos nossos pés. Ver os cenários onde foram rodados tantos dos nossos filmes favoritos, ver a Liberty Belle (que muitos consideram uma decepção por ser "pequenina"), ver as bancas com cachorros quentes, ver o memorial ao 11 de Setembro, ver o mais que pudéssemos em 3 dias de Nova Iorque.

Escusado será dizer que nem nos deu para a cova de um dente mas a verdade, é que durante estes 3 dias nos sentimos uns miúdos (cansados, cheios de reumático e caruncho, mas sentimos). Quando me perguntam o que achei de Nova Iorque, comparando com o Dubai, costumo dizer isto:

O Dubai é uma miúda gira! Nova, cheia de curvas, com tudo no sítio, contudo, quando falas com ela pouco tem para te dizer, é assim meio oca, mas tem potencial. Já Nova Iorque.......Nova Iorque é uma quarentona bem resolvida! Cuja beleza já não está no auge mas ainda assim revela a pin up que em tempos foi e, o melhor, é mesmo sentarmos-nos a uma mesa com ela, enquanto comemos um bagel acabadinho de fazer ou bebemos um Manhattan, e nos deixamos deliciar com as suas histórias e cicatrizes.

Ainda assim, da minha lista com 1258525 "must do´s", havia um sítio onde não podia deixar de ir: 

Harlem, assistir a uma Missa

Escolhemos a First Corinthian Baptist Church, que é assim para lá de conhecida e para lá de visitada e que, se procurarem em qualquer guia da cidade, é para onde são recambiados se querem ter a experiência imersiva. Fomos no Domingo de manhã, apanhámos um Uber (os finórios) e saímos em Harlem que, para quem não conhece, parece a Damaia de Cima em chiqueza  e arquitectura. À nossa frente, tínhamos um edifício que claramente teria sido um teatro, coberto por andaimes, que tanto serviam de apoio ás obras, como de suporte à propaganda do culto. 

Ainda não eram 9h quando tentámos entrar e nos avisaram que o coro já tinha atuado (aquela parte que todo o bom turista quer ver, os senhores com as vestes, as vozes #somostodosWihtneyHouston, etc), por isso tínhamos que aguardar pelas 11h00 OU assistir ao Gospel (no quentinho do teatro, sentados e confortáveis, contrariando os 5º que se sentiam lá fora). Tenho a dizer-vos que foi a melhor decisão que tomámos naquela viagem.

Quando entrámos, fomos enviados para a "zona dos turistas", que é tipo no Barreiro quando toda a acção é no Terreiro do Paço, mas como o velho teatro tinha uma régie, sistema de som e o pastor tinha um microfone, estava tranquilo. Mal eu sabia, que assim como quem não sabe ao que anda, ia assistir ao mais bonito, sentido, cheio de significado sermão da minha vida (e olhem que eu sou menina com todos os check´s da Igreja Católica, se há coisa que ouvi foi sermões).

A temática era muito simples: Perdoa pela tua Paz e não pelo perdão ao Outro

Pelas reacções de quem assistia, pelos braços levantados em prece ao som das palavras do Pastor, podíamos sentir a dor quem ali estava, os traumas pelos quais tinham passado, as mais impensáveis dores a que foram sujeitos....mas perdoa, não pelo outro mas por ti. Perdoa quem te magoou, quem te ofendeu, quem te castigou impunemente, não pelo perdão do outro, mas pelo teu direito a closure (a arrumar o assunto). Perdoa sem um pedido de perdão ou desculpas, perdoa aceitando que quem te feriu nem se apercebeu ou perdeu do seu tempo a aceitar o que te fez, mas perdoa. Perdoa quem te roubou a inocência e não foi digno da tua confiança, perdoa aquilo que não podes mudar e, acima de tudo, perdoa-te a ti mesmo. 

Escusado será dizer que, no fim do sermão, toda eu era baba e ranho e o Querido só me perguntava se eu estava bem! Claro que estava, bem lavada em lágrimas perante a mensagem, a forma como o Pastor falava, a forma como os fiéis o ouviam e reagiam ás suas palavras. Aquela sala em Harlem, foi o mais próximo que eu estive de um sermão nas margens do Jordão. Aquele momento, será para sempre das experiências mais bonitas e intensas que eu tive na minha vida. Para quem não acredita, não entende, não reconhece a fé, seja ela qual for, desafio-vos a fazerem esta prova dos 9 na capacidade de cura do ser humano: estava ali gente profundamente sofrida, profundamente magoada, dando-se a um Pastor e ao Altíssimo, em busca de um alívio para essa dor. 

Claro que depois deste momento, esperámos pelo Coro (que não está com vestes! não se iludam) e assistimos aos cânticos agora já junto da plateia dos locais e caramba, aquela malta canta, vibra, dá abraços a toda a gente (nós, turistas 100% incluídos)! 

É como vos digo acima, se forem a Nova Iorque, deixem-se absorver por ela e pelos seus, por esta cidade de fronteira, porto de chegada e de partida, mistura de raças e credos mas onde, sem se saber bem como, toda a gente cabe. 

Sarah