Momento básico ou como o ar nos falta
Sempre abominei o conceito de "básico" no sentido simplório, cego de vista e de ideias, curto de ambições, um ser chato. Tanto que um dos meus mais profundos e incontestáveis medos é o de ser vista como burra, inculta, básica. Querer entrar numa conversa e não ter propriedade para dizer nada de jeito, ou pior, abrir a boca e causar nos outros o gozo e uma exclamação de "coitada!".
Talvez por isso, à primeira impressão (hoje estamos no tema Dona Mula!) eu pareça pouco acessível, um personagem seríssimo, "ui não falem com ela que ela bate". Mas muito de isto prende-se com o facto de ter uma medo imenso de dizer a coisa errada, se é que isso existe! Há gente que entra e fala e o que sair, saiu! São assim, nasceram assim, vão ser sempre assim, as Gabrielas da vida, não se moldam, não têm medos. Tenho-lhes uma inveja escondida, assumo.
E o propósito deste post é que eu me tenho sentido uma básica, com B grande. Tenho uma vida pacata, uma casinha sempre arrumada, penso as refeições para a semana, faço as compras como boa dona de casa, passo camisas a ferro e isto não é mau! Não tem que ser mau, mas falta-me o "resto".
O resto é a pica tremenda que um novo projecto nos dá. Tenho um trabalho novo, onde nem a entrevista fui, cheguei e fiquei, e não me sinto em casa. Se posso explicar melhor o porquê, imaginem que são uma criança gorda com um amor crónico por doces e a vossa professora leva toda a turma a fábrica dos M&M. Todos os meninos vão enfiar M&M nos ouvidos e no nariz e ter uma imensa dor de barriga mas vocês.....vocês levam uma maçã e um iogurte magro na merenda. Pode soar dramático mas é o que sinto e, o pior, só penso que a culpa deve ser minha.
Eu não tenho um percurso académico brilhante mas fui boa aluna, sai-me bem. Não tive até agora um percurso profissional de grande orgulho mas tenho-me safado. O que falta, o "resto", é aquilo que nós fazemos nas horas vagas e, no meu caso, o que eu devia escrever e não escrevo.
Posso culpar este mundo e o outro e pintar um quadro de coitadinha mas, sei que a culpa é minha. Sei que sou eu que não me sento à secretária e debito o que sair, mesmo que depois apague. Sei que não leio em doses industriais e por isso me faltam as palavras e o vocábulo. Sei que não sou um génio literário e não vou inventar um estilo de escrita mas também não tenho trabalho para isso. Já tive uma crónica num diário online, e agora? Agora até para o blog me vejo à rasca para dar bons conteúdos, na temática das experiências ou não.
E desiludo-me. A desilusão dos outros nunca vai doer tanto como a que sentimos por nós próprios, isso vos garanto. Ainda para mais, numa área que ainda é das poucas que dá pica, que faz o sangue correr. Tenho medo que o meu obituário não passe disto, de uma série interminável de arrependimentos, de incumprimentos de tarefas, tudo porque não começo, porque não dou o primeiro passo. Digo que queria fazer outras coisas, tornar-me freelancer, independente, mas não produzo, não conheço, não me exponho a que me descubram. Bela merda hein?
E depois vêm os start-ups da vida! Os motivados, os "eu não durmo que isso é perder tempo" e os "aos 30 anos já criei 4 empresas, tenho dois filhos, peso 45kg e sou modelo da Victoria Secret. Tudo isto enquanto tenho uma casa com 15 quartos (da qual cuido eu) e ainda tenho o meu restaurante, com 4 estrelas Michelin, onde sou a chef principal." Só a mim isto chateia? Só eu sinto que devia ter muita vergonha na cara por não ser como eles?
Não fui feita para a vida das 9h as 17h, para a casa com dois filhos, um cão e um gato, nem para um casamento faustoso onde vou vestida de suspiro doce e, contudo, parece que caminho a passos largos para este mesmo cenário.
Alguém me entende?
Sarah