O ano dos 64
Por mais que eu queira, depois de um dia de cão, sentar-me ao computador a escrever sobre a minha vida e sobre o mundo, o mundo não pára e parece que nunca o assunto é o mais actual.
No último mês, várias coisas aconteceram mas nad, é para mim tão intenso, me magoa tanto por dentro, como o caso dos incêndios em Pedrógão.
Ainda não sei o que escrever, ou como escrever, sobre uma estrada fantasma, de onde apenas restam as sombras de queimaduras no alcatrão. Antes as casas, os terrenos, até mesmo o gado que sabe como fugir do fogo. Mas nunca uma estrada com sombras negras no chão.
Apenas assisti uma vez a um incêndio, devia ter uns 10 anos, e o que mais retive desse momento de aflição, de gritos, de carros dos bombeiros com os pneus a derrapar e onde uma senhora gritava tão mas tão alto, foi o som do fogo a queimar a madeira. A madeira chorava, era audível a sua dor, com os permanentes estalos sonoros e assobios do fogo que lhe comia as entranhas. O fogo uivava ruidosamente enquanto a madeira deixava sair a sua dor e eu nunca mais esqueci este som.
Não sei se já é altura de apurar culpados, de expiar a dor inflingindo a outros, aos que ficaram, aos que não cuidaram dos seus terrenos, aos que não abandonaram as casas, aos que não garantiram que a tecnologia não falhava, aos que deram a ordem errada. A estes, pelo menos a muitos deles, ter sobrevivido ao incêndio do Pedrógão já vai ser penitência suficiente até que a morte os leve para outro local.
Para mim, como Churchil de forma brilhante disse, é apenas "altura de enterrar os mortos e cuidar dos vivos". Apenas isto. Fazendo mega concertos ou dando um abraço apertado. É altura dos que, como as árvores, estão mortos por dentro mas de pé.
Que 64 vidas tenham sido suficientes, pois foram dolorosamente demais.
Sarah